Desmistificando o ensino da gramática: É tudo ou nada?

* Silas Gama – Auxiliar de Classe Bilíngue

Você imagina uma escola em que não se ensina gramática? Você acredita que a gramática é totalmente imprescindível e erros inaceitáveis? É difícil responder tendo um pensamento retrógrado e/ou senso-comum, acompanhe essa breve discussão!

O ensino tradicional aprisiona as escolas do nosso país ainda hoje. Além disso, as aulas de gramática, temido e assustador assunto àqueles que estudam a língua, participam dessa abordagem obsoleta. Não somente isto, mas também levanta vários questionamentos acerca de como ensiná-la, tendo em vista as diferentes evoluções linguísticas e educacionais que estamos, enfim, percorrendo.

Sírio Possenti, um dos mais respeitados linguistas brasileiros da atualidade, publicou um livro chamado “Por que (não) ensinar gramática na escola”. Calma, eu não vou redigir um texto dizendo que gramática é inútil, até porque nem o livro diz isso, porém, vocês já pararam para analisar como essa gramática foi nos apresentada? Por que ela se tornou esse bicho de sete cabeças, ou quantas vezes aquilo que estava no livro não fazia sentido algum com o mundo afora, afinal ninguém fala daquele jeito “certinho”, não é? Quem sabe, não existiria alguma forma da gramática ser palpável aos alunos?

Sem mais delongas, vamos às rápidas e possíveis respostas, segundo aquilo que o professor-doutor traz em suas pesquisas e estudos no livro.

Inicialmente, preciso ponderar que a língua é como um organismo vivo e dinâmico na sociedade. Além disso, a ascensão do “falar direito” dependerá do prestígio social atribuído à classe falante, ou seja, quanto menor poder social, menos valor terá, porém a complexidade é a mesma. Já imaginou aprender um idioma indígena? Mesmo que sem prestígio social, seu aprendizado seria complicado. Porém, há falantes que defendem a variedade como única, e estes estão sempre buscando no passado a sua forma arcaica e o mais próximo possível do “original” da língua; além da resistência em compreender que a língua é mutável de acordo com a realidade atual.

Existe ainda o preconceito linguístico. É muito comum considerar o jeito diferente do outro de se comunicar como defeito ou erro, o que é interessante, pois, é aceito o fato de existir outras línguas, mas não é aceito a mesma língua falada de forma diferente. Todas as línguas variam e a variedade linguística é reflexo da diversidade social, além de outros fatores como geográficos, de classe, de idade, de etnia, de profissão, como também a criação desse dialeto, cujo alicerce é histórico, e as aulas de gramática em língua portuguesa ou inglesa precisam respeitar tais preceitos. 

Tratando-se de uma língua nativa, é possível levantar que o falante possui conhecimento lexical e sintático-semântico minimamente necessário, já que sabe usar as palavras em uma ordem que faça sentido, e isso demonstra uma gramática internalizada, sendo assim, as aulas de gramática seriam mais proveitosas quando utilizadas para aprimorar a leitura, escrita, discussão e reescrita dos estudantes, ao invés de frases simples, curtas, “preencha a frase”, dentre outros, que são por vezes maçantes, repetitivas ou não se aplicam para com a realidade do estudante. 

Portanto, o papel da escola não é de ensinar uma variedade no lugar da outra, mas de criar condições para que os alunos aprendam também as variedades que não conhecem, ou com as quais não tem familiaridade, sendo um direito elementar do aluno ter acesso aos bens culturais da sociedade. De maneira consciente a escola deve aplicar a gramática internalizada aos alunos, para que tenham oportunidade de experiências variadas da língua, dando prioridade à leitura, a escrita, a narrativa oral, diferentes formas de debate e interpretação; para haver de maneira eficiente uma boa estratégia de ensinar gramática, em seus contextos formais e informais. 

Finalmente, mesmo publicado em 1996, a obra fomenta a discussão acerca do ensino reformado ainda contemporaneamente. Talvez eu não tenha levado a uma única resposta, e essa, tal qual a língua, pode variar. Faz-se necessário criar momentos, intervenções e oportunidades para que as diferentes formas de “portugueses” ou “ingleses” existentes atuem na formação do discente, desde criança, a fim de que ele tenha sua formação cognitiva, social e seu papel como cidadão estabelecido e desenvolvido, respeitando diversas culturas e tendo conhecimento do seu “eu” no mundo. 

Isso tudo a partir de uma aula, que pode aparentar ser tão chata, como as de gramática.

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